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O poder do fundo do poço

  • Foto do escritor: Marcela Rolim
    Marcela Rolim
  • 16 de abr. de 2020
  • 6 min de leitura

Atualizado: 28 de abr. de 2020

Talvez esse lugar te faça enxergar a oportunidade para um recomeço. O céu e o inferno dependem de cada um de nós.




Conheci o fundo do poço. Achava que eu já estivera neste lugar antes, mas percebi que eu não havia passado nem perto. E que lugar de dor, de muita dor; não consigo transmitir o que eu senti e ainda sinto. Até escrever este post não está sendo fácil, pode acreditar que não. É desumano lidar com a informação de que meu ex, a quem depositei um amor sem barreiras, tem um filho, do qual eu nunca soubera da existência. Isso fez até ofuscar a descoberta, no dia anterior a essa bomba, de uma possível traição entre esse mesmo ex com uma prima minha. Sem contar, a forma reativa que ele lidou com toda essa história em meu colo, e sem compaixão alguma com o meu sofrimento. Mas só foi a partir disso que eu realmente enxerguei um bocado de verdades.


Acredito que essa dor de agora seja tão mais profunda que as demais pelo fato do gosto amargo que eu provei ao pisar o chão do poço. Fui parar no fundo, bem lá no fundo, e pude sentir o estrago que a decepção causou em mim. Mas eu tinha que fazer alguma coisa a partir daquele lugar, eu precisava sobreviver a essa dor de estar lá embaixo. Eu precisava, ao menos, sair daquele chão onde a dor era sem tamanho. Eu precisava encarar a verdade, abrir meus olhos para o que eu relutava em enxergar e determinar que ALI eu NUNCA MAIS ESTARIA por causa de uma decepção amorosa.


Mesmo que a dor que eu carrego agora ainda me pareça insuportável, e que eu ainda me perceba em um poço, eu consegui, ao menos, sair daquela lama e fazer uma escalada para um nível mais acima. Busquei toda minha rede de apoio e percebi que se debater quando estamos na areia movediça só faz a gente se afundar ainda mais. A subida de volta à vida depende unicamente de nós. Cada um tem seu tempo. Mas o importante é que não nos demoremos ao fundo. O importante é nos esforçar para alcançar o nível acima do chão e assim, sucessivamente, com dedicação e trabalho interno, vamos conseguindo atingir outros lugares melhores. A questão aqui não é o que acontece com a gente, e sim o que a gente faz com o que acontece com a gente. E é esse o foco deste post.


Para Freud, a dor e a alegria coabitam dentro de nós. Na psicanálise é possível trabalhar a frustração, o princípio da realidade, que nada mais é que entender o fator “tempo” para alcançar a satisfação. Esse princípio não se opõe ao princípio do prazer, a diferença é que ele tem a favor dele a possibilidade do adiamento. Seria como se pudéssemos trabalhar e tolerar a frustração para esperar o momento certo de desfrutar a satisfação, o prazer. Para Nietzsche, a dor pode deixar de ser algo ruim para se tornar uma força. A dor pode ser libertadora e uma via de transformação para a verdadeira alegria. Ter acesso a esse entendimento, a partir das inúmeras leituras que tenho feito, me causou ainda mais compreensão do meu processo analítico e possibilidades de dar um rumo diferente para tudo isso que me aconteceu.



"Um homem com uma dor É muito mais elegante Caminha assim de lado Como se chegando atrasado

Chegasse mais adiante


Carrega o peso da dor Como se portasse medalhas Uma coroa, um milhão de dólares Ou coisa que os valha


Ópios, édens, analgésicos Não me toquem nessa dor Ela é tudo o que me sobra Sofrer vai ser a minha última obra”


Dor elegante, de Paulo Leminski



Quando estamos em sofrimento, não existe mais nada no mundo do que aquela dor. Conforme a psicóloga Regina Herzod, em um dos seus vídeos para o canal Café Filosófico do YouTube, a dor rompe um dispositivo de proteção. Fisicamente é mais fácil cicatrizar a ferida, enquanto que psicologicamente a dor desorganiza o aparelho psíquico, deixando-o completamente perturbado, mas que nos dá acesso para reflexão de que é preciso fazer alguma coisa a partir dali, tornando a dor como um fenômeno que, também, pode nos trazer aspectos positivos, se olharmos com outros olhos para o que nos acomete.


“Nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos”. Essa frase de Freud nos mostra que a dor psíquica é uma dor de amor, é uma dor provocada pela dor do desamparo, a dor do medo de perder o outro, ou até a si próprio, seja o que for, ou quem for. Desde pequenos, quando viemos ao mundo, já vivenciamos a dor do desamparo, a dor do luto, a partir do rompimento com a mãe e seguimos a vida enfrentando outras rupturas dolorosas (ou que pelo menos deveríamos enfrentar). E é por isso que para a psicanálise o sofrimento psíquico é tão importante para a nossa transformação, uma vez que é a partir da ruína, do desmontar, do desmoronar, do cair, que se dá uma nova construção da figura do eu. É preciso, e necessário, passarmos pela experiência das diversas mortes, ou lutos, para nos colocarmos de outra maneira no mundo.


"Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte" Freud

Aceitar a morte, vivenciar o luto, deixar doer, observar a dor e elaborar a dor, são passos grandiosos para o processo de transformação interna. A nossa tendência é sempre o imediatismo, sem perceber que a transformação ocorre no processo, no caminhar, a construção vai se dando no “durante”.


Mesmo que novamente eu tenha caído em armadilhas do mundo externo, e principalmente nas minhas próprias, eu não sou mais a mesma. Mesmo que ainda haja padrões adoecidos que eu repito e que me trazem dor, eu já não sou mais a mesma. Mesmo que eu tenha investido toda a minha energia a quem merecia meu total desprezo, eu sei que eu já não sou mais a mesma. E não sou mais a mesma porque o meu olhar para com tudo que vai me acontecendo está mudando. E eu falo no gerúndio porque tenho a clareza que a mudança está sempre em movimento. Nem sei se consigo explicar, mas é como se a dor dessa decepção juntasse com as dores das outras decepções e, durante esse processo dos acontecimentos, a psique tivesse trabalhando para destrinchar um entendimento e um aprendizado que nos traga uma melhor clareza sobre nós e ao nosso redor, a partir de cada fato vivido. É como se, e aí entrando também um pouco no caminho da espiritualidade, eu tivesse que passar por mais essa decepção, que se deu de forma fulminante, para provocar um entendimento muito mais consistente e um saber internalizado sobre tudo o que me rodeia e que precisa de mudança.


Os recomeços nos causam incertezas, mas eles curam. O processo analítico, que é pra mim, entre as várias ajudas que fui atrás, a minha melhor rede de apoio, se dá a partir do desmoronamento interno, da morte, do luto. Quando chegamos nesse estado, e que reconhecemos, para além do externo, os nossos motivos que nos colocaram ali, a nossa visão se transforma, para além de várias outras transformações. O divã quase sempre é um lugar difícil de estar, e eu quem o diga, principalmente depois dessa última bomba atômica que caiu em meu colo, onde passei, e sigo passando, por uma overdose de verdades, principalmente a verdade em que eu me deixei de lado em uma história de muitas mentiras, abusos, muito desamor e crueldades. Mas apesar de todas as sensações ruins, e dores fortes, que ainda habitam em mim, eu preciso ser grata ao universo. Grata porque hoje eu vejo que se esse lixo tóxico não tivesse chegado até mim eu muito, mas muito, provavelmente ainda estaria com o mesmo olhar inocente para com quem manifestou ser desprovido de qualquer sentimento do bem. E muito provavelmente eu ainda estaria me enganando em minhas próprias crenças e fazeres.


Somos humanos, logo está dentro de nós, entre falhas e acertos, o caminho para o despertar. É possível suportar o que parece insuportável. Na hora em que modificamos a nossa atuação no mundo, nós modificamos a cena. É difícil o processo da mudança, eu mesmo que já faço análise há quase cinco anos me vi engolida por esse furação que partilhei com vocês, mas eu sei que é possível alcançarmos o objetivo de sermos quem desejamos. E eu digo isso porque eu experimentei grandes mudanças em mim até aqui. A questão é o QUANTUM de determinação verdadeiramente assumimos com a gente mesmo. Eu sei que este fundo do poço que eu estive há pouco tempo, pouquíssimo tempo, veio para me trazer uma FORÇA, uma DETERMINAÇÃO e uma RESISTÊNCIA a tudo o que me faz mal, de outra forma, sob outro olhar. Veio para me fazer acordar e poder olhar verdadeiramente à minha volta.


As vezes estar no fundo do poço pode ser a melhor maneira para um grande recomeço, mesmo que no momento não reconheçamos essa possibilidade. O que precisamos, para um grande salto, é desejar verdadeiramente, determinar verdadeiramente e nos amar verdadeiramente. Muito foco e muita fé que dias melhores virão. E virão de uma outra maneira.


Perguntas norteadoras que podem nos ajudar a enxergar a situação com outro olhar: O que posso fazer para contribuir com a minha melhora? Qual a minha rede apoio? O que eu não consigo resistir? Sabendo dos meus limites, quais as medidas que eu posso tomar para não cair em armadilhas?


"Mudar requer não apenas um ataque extraordinário, dramático e temporário ao problema, mas uma rendição diária e muito comprometimento." Comitê da Literatura MADA.

2 Comments


autoconhecimentomarcelarolim
May 05, 2020

Oie... dei uma sumida mesmo, mas foi necessário! Fica com Deus! Bjão

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riguedescavalcante
May 05, 2020

Eita, que bomba! Some não gatona! Bj

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